A Covid Longa

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Autor: Fernando kokubun IG e FB @fernandokokubun

Revisão: Marcelo Bragatte @marcelobragatte, Larissa Brussa Reis (@laribrussa)

A pandemia da COVID-19 nos trouxe muitas preocupações e a necessidade de mudanças nas nossas rotinas.  A Organização Mundial da Saúde declarou oficialmente a pandemia no início de março de 2020 [1]. Desde a declaração até o atual momento (dezembro de 2020), muitas novas informações foram obtidas e ainda continuam a ser produzidas sobre a doença e o novo coronavírus SARS-CoV-2. Estamos vivendo um momento de expectativa com a aprovação de vacinas para imunizar boa parte da população e tentar conter a pandemia.   

No início, acreditava-se que a COVID-19 seria semelhante a uma forte pneumonia, que atingia mais o sistema respiratório. Com o tempo, ficou claro que é uma doença que afeta diversos órgãos, com uma sintomatologia bastante diversa [2]. Como a doença apresenta uma taxa relativamente baixa de óbitos (apesar da alta taxa de transmissão, o que acarreta em elevado número de infectados e, consequentemente, de óbitos), e um número alto de recuperados sem a necessidade de hospitalização, não havia muita preocupação com as pessoas que conseguiam se recuperar, em especial os assintomáticos e os que não foram hospitalizados. Assim, as principais preocupações naturalmente acabaram convergindo na busca de um tratamento eficaz e nas medidas preventivas para conter a propagação, tais como a utilização de máscaras [3], a higienização constante das mãos e o distanciamento social, conjuntamente com a busca por uma vacina [4] para a COVID-19. Em relação aos recuperados, principalmente as pessoas que não tiveram sintomas ou as que não necessitaram de internação em hospitais, esperava-se que, uma vez passado o tempo de infecção, o pleno restabelecimento  seria relativamente alto. Uma grande preocupação nessa época era com os efeitos negativos que o isolamento social poderia trazer para a saúde mental das pessoas.

No entanto, com o passar do tempo, começaram a surgir informações de pessoas que haviam se recuperado da COVID-19, mas que continuaram a apresentar diversos sintomas a longo prazo,  principalmente extrema fadiga e dificuldade de respirar, além de dores musculares e nas juntas, dores de cabeça e barriga,  alteração ou perda de cheiro e gosto, e ainda menos atenção, memória e depressão . E o mais preocupante era que estes sintomas também passaram a ser detectados em pessoas que tiveram casos leves a moderados, e mesmo em pessoas assintomáticas (que não apresentaram nenhum sintoma) [5,6,14].

Em julho de 2020, um texto da British Medical Journal [7]  destacava o seguinte parágrafo: 

“As evidências mostram que muitos desses sobreviventes [da COVID-19] estão propensos a ter problemas de saúde contínuos, incluindo dificuldades respiratórias, cansaço persistente, função muscular reduzida, dificuldade de realizar tarefas diárias  e problemas de saúde mental, como transtorno de estresse pós-traumático, ansiedade e depressão”.

Essa passagem do texto demonstra uma diversidade de sintomas nas pessoas recuperadas, e que, em alguns casos, foram de longa duração, estando presentes meses depois da recuperação. 

Em alguns casos, os sintomas relatados são extremamente incapacitantes [5]:

“Eu costumava ir à academia três vezes por semana”, diz Akrami. Agora, minha atividade física é da cama ao sofá, e  algumas vezes do sofá para a  cozinha.”

Outro relato sobre a situação dramática de recuperados [6]:

“(…) Paul Garner, que teve que parar de trabalhar depois de pegar COVID-19 em meados de março, compara a sensação a ser atingido na cabeça por um taco de críquete. (…) Agora, três meses depois, ele só consegue trabalhar por 20 minutos e  logo sente a necessidade de descansar por cerca de uma hora, para que consiga retomar a atividade (…) ”.

Para entender essas situações (e outras) de pessoas recuperadas da COVID-19, alguns grupos de pesquisa que habitualmente rastreiam outras doenças e a evolução após a recuperação, passaram a incluir os dados dos recuperados da COVID-19 [5,8].

Um estudo recente divulgou  que 1 a cada vinte infectados por  COVID-19 apresentam estes sintomas de longa duração (chamados de long COVID ou Covid Longa), após a cura [9,10]. Os dados para as análises foram obtidos pelo aplicativo COVID a Study app. De acordo com os dados, apesar da maioria dos recuperados (uma amostra de 4182 relatos) relatarem ter voltado ao normal em 11 dias (cerca de 80%), os outros 20% demoraram mais tempo, sendo que cerca de 2,3% do total apresentaram sintomas persistentes (que duraram por mais de 12 semanas) [9]. A partir desses resultados, o grupo ajustou os dados para  toda a população do Reino Unido, chegando à conclusão de que 14.5% das pessoas que tiveram COVID-19 apresentaram sintomas por pelo menos 4 semanas, 5.1% por 8 semanas e 2.2% por 12 semanas ou mais. Os períodos (dias) indicados no trabalho são considerados a partir da identificação do início dos sintomas ou do resultado do teste confirmando a infecção, no caso dos assintomáticos. Os casos com sintomas que duram mais de 28 dias, são os considerados Covid Longa [10,14].

Os dados também indicam que a Covid Longa é mais comum em grupos de pessoas com idade avançada, com IMC (índice de massa corporal) acima da média, ou seja, em pessoas acima do peso e para mulheres, mas não sendo exclusivas destes grupos de pessoas. De acordo com os pesquisadores, as pessoas que apresentaram mais de cinco sintomas na primeira semana (para uma leitura sobre os grupos de possíveis sintomas da COVID-19, ver [2] ) são os mais propensos a desenvolver a   Covid Longa.

A gravidade em alguns casos de pós- recuperação não atinge apenas pessoas que tiveram necessidade de utilização de UTI (unidade de tratamento intensivo), mas mesmos casos leves e assintomáticos aparentemente podem desenvolver esse sintomas preocupantes a longo prazo. Um exemplo importante, é o caso de atletas de alto desempenho, que podem apresentar problemas cardíacos [11,12]. Infelizmente, alguns pacientes continuam a experimentar injustiças por seus efeitos de longo prazo serem reduzidos a má interpretação dos sintomas e ansiedade. Estes sintomas prolongados já vem aparecendo em estudos com diferentes nomes, como síndrome da fadiga pós-viral ou síndrome pós-COVID [13], mas mesmo com nomes diferentes e ainda sobre estudos são efeitos que ficam por semanas após a cura .

A COVID-19 é uma doença nova, em que ainda não temos todas as informações disponíveis a respeito, e muitas informações somente serão obtidas e compreendidas após alguns anos de estudos e coleta de dados das infecções que estão ocorrendo agora. Ainda não sabemos se os sintomas reportados pelas pessoas recuperadas podem desaparecer ou se tornarem imperceptíveis sem grandes impactos ao longo do tempo, ou ficarem como sintomas para o resto da vida, podendo debilitar uma parcela considerável da população. Sendo assim, no momento, a melhor opção é prevenir, reduzindo o número de pessoas contaminadas na tentativa de evitar problemas futuros. Precisamos nos manter atentos aos cuidados básicos como a higienização constante das mãos, o uso de máscaras adequadas, evitar aglomerações e locais com ventilação inadequada, e esperar por uma vacina segura e eficaz.
Mesmo após já estar vacinado a pandemia não terá acabado, o entendimento da COVID longa e seus efeitos no sistema de saúde serão importantes para acompanhar e tratar todos com sucesso.

Referências

[1] WHO Director-General’s opening remarks at the media briefing on COVID-19 – 11 March 2020. 

https://www.who.int/director-general/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-media-briefing-on-covid-19—11-march-2020

[2] Sintomas da Covid-19. F. Kokubun , Rede Análise Covid-19. 

https://redeaanalisecovid.wordpress.com/2020/10/21/sintomas-da-covid-19/

[3]O que ainda precisamos saber sobre máscaras e COVID-19. M. M. Markoski. 

https://redeaanalisecovid.wordpress.com/2020/10/20/o-que-ainda-precisamos-saber-sobre-mascaras-e-covid-19/

[4] “Eu nos protegerei”: o ato de se vacinar em um mundo assombrado pela desinformação. M. Dutra, Rede Análise Covid-19. 

https://redeaanalisecovid.wordpress.com/category/vacinas/

[5] From ‘brain fog’ to heart damage, COVID-19’s lingering problems alarm scientists;

J. Couzin-Franke, Science , 31 de julho de 2020.  https://www.sciencemag.org/news/2020/07/brain-fog-heart-damage-covid-19-s-lingering-problems-alarm-scientists

[6] Why strange and debilitating coronavirus symptoms can last for months. L Geddes, New Scientist, 24 de junho de 2020.  https://www.newscientist.com/article/mg24632881-400-why-strange-and-debilitating-coronavirus-symptoms-can-last-for-months/#ixzz6c52hodVB

[7]Covid-19: What do we know about “long covid”? E. Mahase, BMJ 2020;370:m2815, 14 de julho de 2020. http://dx.doi.org/10.1136/bmj.m2815

[8] Thousands of people will help scientists to track the long-term health effects of the coronavirus crisis. A. Abbott, Nature , 2 de junho de 2020.

https://www.nature.com/articles/d41586-020-01643-8

[9] One in 20 people likely to suffer from ‘Long COVID’, but who are they? The COVID symptom study , 20 de outubro de 2020.

https://covid.joinzoe.com/us-post/long-covid

[10] Attributes and predictors of Long-COVID: analysis of COVID cases and their symptoms collected by the Covid Symptoms Study App. C.H. Sudre et all, Preprint MedRxiv, outubro de 2020. 

https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.10.19.20214494v1

[11] PERILLO FILHO, Marcos et al. Esporte em Tempos de Covid-19: Alerta ao Coração. Arq. Bras. Cardiol. [online]. 2020, vol.115, n.3 , pp.303-307.  https://doi.org/10.36660/abc.20200652.

[12]Resurgenege of sport in teh wake of COVID-19: cardiac considerations in competitive athletes. A. Baggish et al.Br.J.SportsMed, 2020, v 54,1125-1135.  http://​orcid.​org/​0000-​0003-​3519-​9120

[13] How and why patients made Long Covid. Felicity Callard, Elisa Perego. Social Science & Medicine. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2020.113426

[14] Meeting the challenge of long COVID. Nat Med 26, 1803 (2020). https://doi.org/10.1038/s41591-020-01177-6

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