O que ainda precisamos saber sobre máscaras e COVID-19

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Autora: Melissa M. Markoski (@melmarkoski)

Revisado por: Fernando Kokubun e Rute Maria Gonçalves de Andrade (@rutemga2)

Fonte da imagem: https://br.freepik.com/

Faz oito meses que nos deparamos com a pandemia da COVID-19, uma doença ainda sem cura ou tratamento eficaz e causada por um coronavírus, o SARS-CoV-2. Durante todo esse tempo, se enfatizou que as medidas preventivas eram (e são) a melhor proteção contra a infecção com o patógeno. Essas medidas incluem o distanciamento físico, a higienização de mãos, superfícies e objetos e o uso de máscaras. Por ainda não se ter um estudo clínico finalizado que determine a eficiência das máscaras na proteção à COVID-19, muitas dúvidas têm surgido ao longo desses meses questionando sua ação. Testes realizados a respeito da estrutura das máscaras, mecanismos de filtração e análise da dispersão de gotículas contra seus componentes vêm sendo feitos em todo o mundo, de maneira que a ciência defende seu uso no combate à doença. Devido à capacidade de filtração (eficácia de 95% contra partículas iguais ou maiores do que 0,3 micrômetros), manufatura a partir de várias camadas e por já ser padrão nos serviços de saúde, o respirador N95 tem sido amplamente utilizado. Mas frente à sua escassez no início da pandemia, as recomendações também se voltaram às máscaras cirúrgicas e às artesanais para o público em geral. E foi aí que a confusão começou. Seriam também essas máscaras eficientes contra a COVID-19? Pessoas começaram a protestar que a obrigação esbarrava em seu modo de vida. Em paralelo, notícias sobre possibilidade de saturação de oxigênio através do uso da máscara, além de outras, começaram a se espalhar pelas redes sociais, gerando mais dúvidas e questionamentos. Assim, esse texto tem por finalidade, embasado em artigos publicados em revistas científicas de alto impacto, informar o “estado da arte” das máscaras e desmistificar algumas questões que concernem seu uso.

Assim como ocorre para diversos vírus, bactérias e outros microrganismos, a transmissão do SARS-CoV-2 de uma pessoa infectada a outra, suscetível, se dá através da eliminação de partículas virais, contidas em gotículas e aerossóis de diferentes tamanhos. Primeiramente, é importante salientar que cada gotícula pode conter milhares de partículas virais, sendo seus tamanhos bem variáveis (Figura 1A). De fato, o ser humano produz e expele gotículas de 0,1 a 1.000 micrômetros. Além disso, os vírus não são expelidos “individualmente” e, por menor que seja o seu tamanho (0,12 micrômetros), ele será carregado junto com muitos outros, além das diferentes substâncias presentes (muco, saliva, etc.). Essas partículas virais são expelidas através da respiração, fala, tosse ou espirro de um indivíduo infectado e podem alcançar as mucosas da boca, olhos e trato respiratório do outro indivíduo (Figura 1B). Ao entendermos essa lógica, podemos perceber que uma barreira física às partículas virais não necessariamente precisa bloquear algo do tamanho de um único vírus. Assim, algo que produza essa barreira física às gotículas onde os vírus estão “agregados” já seria importante em uma retenção, pois diminuiria o acesso às gotículas maiores que transportam as partículas do SARS-CoV-2, certo? Imaginemos uma teia de aranha, que é capaz de capturar moscas, mas que deixa passar mosquitos.

Figura 1. Tamanhos (A) e exemplo de modo de transmissão (B) de diferentes partículas de um indivíduo a outro. As imagens (produzidas a partir do Freepik) são meramente ilustrativas. uM = micrômetro.

Uma boa maneira de impedir ou, pelo menos, dificultar o acesso às gotículas contendo partículas infectantes é através da máscara. Muitas pesquisas mostraram que, se utilizada adequadamente e bem ajustada ao rosto, a máscara pode fornecer proteção significativa a várias doenças [1-3]. Mas, acima de tudo, já foi apontado que a máscara pode diminuir a transmissão do SARS-CoV-2, justamente devido ao seu impedimento (parcial ou completo) na liberação/recepção das gotículas contendo o vírus [4]. O uso da máscara por pessoas que estão próximas, associado ao distanciamento físico, pode resultar em mínima exposição (Figura 2). Além dos dados científicos, vejamos duas situações envolvendo eventos em massa que ocorreram nos Estados Unidos: os protestos do Black Lives Matter (“vidas negras importam”), que foram ao ar livre, onde as pessoas utilizaram máscaras, e não resultaram em picos de disseminação da COVID-19; um acampamento infantil na Geórgia, ocorrido em junho, onde as crianças não utilizaram máscaras e dividiram cabines para dormir, e o vírus “correu desenfreado” [5]. Ainda que não tenhamos até a data desta publicação um bom estudo clínico randomizado finalizado, há muitas informações científicas e/ou anedóticas que apoiam que o uso da máscara realmente protege contra a COVID-19. E digo mais, como ilustrado na Figura 2, a máscara protege aquele que a está usando de contrair o vírus (ou fica exposto a uma carga reduzida), mas também ajuda a não transmitir, o que é crucial considerando-se o grande número de pessoas assintomáticas portadoras da doença.

Figura 2. O uso da máscara e a redução da transmissão do SARS-CoV-2. uM = micrômetro. Imagem adaptada de Prather et al., 2020 [4]. 

Sabe-se que a capacidade de retenção de partículas, por sua complexidade, varia de acordo com o material da manufatura da máscara. Assim, foi publicado um estudo na Scientific Reports [6] que analisou justamente a influência de vários tipos de materiais das máscaras (de grau médico às caseiras/artesanais), medindo as emissões externas de gotículas (de diversos tamanhos) por humanos saudáveis, enquanto estes realizavam diferentes atividades expiratórias. No estudo, conduzido na Califórnia, foram recrutados 6 homens e 4 mulheres, com idades entre 18 a 45 anos. Todos os participantes foram avaliados quanto à geração de partículas provenientes de atividades como respiração, fala, tosse e movimentos de mandíbula com a boca fechada (como mascar goma – para ver se isso influenciaria nas gotículas geradas durante a respiração), em tempos de 30 segundos a dois minutos e meio (dependendo da atividade), que foram mensuradas em um contador de partículas (Figura 3A). Os participantes realizaram os experimentos sem o uso da máscara ou utilizando diferentes tipos e modelos: máscara cirúrgica, respirador N95 sem ventilação, uma máscara caseira de única camada feita a partir de papel-toalha, uma máscara caseira de única camada feita a partir de uma camiseta “polo” 100% algodão, uma máscara caseira de dupla camada feita a partir de uma camiseta “polo” 100% algodão, um respirador N95 com válvula de ventilação (Figura 3B). As máscaras caseiras foram manufaturadas com base nas recomendações do CDC.

Figura 3. Esquema experimental para avaliar a emissão e tamanho de partículas emitidas por atividades expiratórias com ou sem máscara. APS, captador e contador de partículas aerodinâmicas; Surg, máscara cirúrgica; KN95, respirador N95 sem ventilação; SL-P, máscara caseira de única camada feita a partir de papel-toalha; SL-T, máscara caseira de única camada feita a partir de uma camiseta “polo” 100% algodão; DL-T, máscara caseira de dupla camada feita do material da SL-T; N95, respirador N95 com válvula de ventilação. Imagem adaptada de Asadi et al., 2020 [6]. 

Os resultados do experimento mostraram que a taxa média de emissão de partículas foi de 0,31 partículas/segundo durante a respiração quando os participantes não utilizaram máscara. Ao se utilizar tanto a máscara cirúrgica, quanto o respirador N95 sem ventilação, a taxa de emissão caiu para 0,06 partículas/segundo, uma redução de 6 vezes quando comparado ao não uso de máscara. Entretanto, ao utilizar a máscara de algodão de camada única de tecido, a taxa de emissão aumentou para 0,61 partículas/segundo (o dobro em relação a não se usar máscara). As demais máscaras não geraram resultados significativos na taxa de emissão de partículas quando comparadas ao não uso durante a respiração. Durante a fala, a taxa de emissão de partículas dos participantes aumentou para 2,77 partículas/segundo quando estes não utilizaram máscara. Novamente, ao se usar a máscara cirúrgica ou o respirador N95 sem ventilação, a emissão de partículas caiu, respectivamente, para 0,18 e 0,36 partículas/segundo. O uso da máscara de papel reduziu a emissão para 1,21 partículas/segundo, enquanto que a de camada única de algodão aumentou para 16,37 partículas/segundo (os autores justificam que esse aumento também pôde ter ocorrido devido ao desprendimento de fibras da malha de algodão, uma vez que o tecido não foi lavado). Os demais modelos não geraram resultados significativos. Dada uma taxa de tosse de 6 vezes por minuto, a média de partículas emitidas pelos participantes na ausência da máscara foi de 10,1 partículas/segundo. Com uso da máscara cirúrgica, a taxa média de emissão caiu para 2,44 partículas/segundo. A atividade de movimentar a mandíbula durante a respiração causou aumento da emissão de partículas ao se utilizar qualquer das máscaras caseiras, alcançando-se 1,72 partículas/segundo para a de camada única de algodão, em comparação a não usar máscara (que foi de 0,12 partículas/segundo para esta atividade). Na conclusão do estudo, a utilização das máscaras cirúrgicas ou N95 proporcionaram, respectivamente, uma redução entre 74 e 90% de emissão de partículas em comparação a não usar. Ainda que as máscaras caseiras de algodão não tenham sido eficientes em reduzir essa emissão, quando se analisou o tamanho das partículas emitidas (± 0,6 micrômetros), verificou-se que estas máscaras proporcionaram uma diminuição do tamanho médio dessas partículas durante fala ou tosse, que foram semelhantes ao tamanho das provenientes da atividade de respiração. Isso é particularmente importante, pois, pela biobalística, as gotículas maiores se projetam contra as superfícies ou alcançam mais facilmente uma pessoa próxima. Além disso, vamos lembrar que a avaliação foi pautada na emissão de partículas (não na recepção). Contudo, e em adição a esses dados, um estudo focado na geração e polidispersão de partículas (de tamanhos de 0,01 a 10 micrômetros) emitidas contra máscaras manufaturadas com diferentes materiais (algodão, flanela, seda, poliéster, etc.) mostrou que a combinação de tecidos, obedecendo ao princípio da eletrostática, potencializa a proteção contra a transmissão de partículas em aerossol [7]. Duas camadas de algodão, intercaladas por uma camada de seda ou poliéster, mostraram eficiência de filtragem de 80% para partículas de 0,3 micrômetros e 90% para partículas menores do que 0,3 micrômetros. Além disso, os pesquisadores também sugeriram que as aberturas (causadas por colocação inadequada da máscara) podem resultar em uma redução de mais de 60% na eficiência da filtração. 

Outras análises rigorosas adicionaram evidências diretas da capacidade protetiva das máscaras. Um preprint publicado no início de agosto [8] constatou que os aumentos semanais na mortalidade per capita foram quatro vezes menores em locais onde havia norma ou recomendação para uso das máscaras, em comparação com outras regiões. Os pesquisadores analisaram 200 países, incluindo a Mongólia, que adotou o uso de máscaras em janeiro e, até maio, não havia registrado mortes relacionadas à COVID-19. Nos Estados Unidos, o uso de máscaras manteve-se estável em torno de 50% desde o final de julho. Os modelos do Institute for Health Metrics and Evaluation da Universidade de Washington previram que se a partir do final de setembro houvesse um aumento do uso de máscaras para 95% isso poderia salvar quase 100.000 vidas desta data até 1 º de janeiro de 2021 [5]. Aqui no Brasil, onde o uso da máscara em locais públicos é lei federal desde julho, uma pesquisa Datafolha apontou que 92% dos entrevistados (total = 2.065) dizia utilizar a máscara ao sair de casa, mas que a impressão em sua cidade era de que apenas 50% das pessoas estariam usando em público. E uma pesquisa do IBOPE mostrou que para 70% dos brasileiros, o uso da máscara deveria ser obrigatório em locais públicos. Afinal, o que está dificultando o engajamento ao uso das máscaras?

A disseminação de notícias falsas a respeito das máscaras tem realmente trazido equívocos à população, dificultando o comprometimento à adesão de seu uso. Uma reportagem apontou as três principais fake news relacionadas a isso que, assim como os autores auxilio aqui nos esclarecimentos e apresento os porquês de tais suposições serem falsas. A primeira, de que os poros da máscara são muito grandes para o tamanho do vírus, creio que já está bem explicada; afinal, os vírus estão agregados em gotículas de tamanhos muito maiores. A segunda notícia falsa seria a de que a máscara ao umedecer estaria propensa a gerar infecções bacterianas e/ou fúngicas graves. Se usadas adequadamente, ou seja, durante duas a quatro horas e substituídas após esse tempo ou quando umedecerem, deixadas em locais ventilados para secar (no caso de reaproveitamento das N95) ou lavadas (para as máscaras de pano), as máscaras não permitirão a proliferação de fungos ou bactérias, até porque precisaria muita exposição e semanas para isso. As bactérias que podemos encontrar no interior da máscara são as mesmas presentes em nossa boca e saliva e que não nos causam doenças, capisce? A terceira notícia talvez seja a que realmente tenha despertado mais questionamentos na população, a de que máscaras podem matar devido a uma menor entrada de oxigênio e que isso aumentaria o gás carbônico interno levando à asfixia (?!). Bom, para início de conversa, a máscara não é um circuito-fechado. Ela bloqueia partículas e gotículas sim, mas proporciona livre passagem para alguns gases e, dentre eles (e obviamente), o oxigênio (que entra facilmente) e o gás carbônico (que sai facilmente também) (Figura 4). Muitos profissionais de saúde utilizam máscaras em suas funções em todo o turno de trabalho, todos os dias, e você conhece alguém que tenha morrido “de máscara”? Não, né? Então, não se preocupe: as máscaras são seguras sim! 

Figura 4. Ilustração para exemplificar que as tramas que compõem a estrutura da máscara permitem as trocas gasosas ao mesmo passo em que bloqueiam a entrada de gotículas e partículas que são de tamanhos maiores do que os poros (± 0,3 micrômetros).

Para finalizar, os estudos apresentados aqui (e outros) mostram que as máscaras tanto reduzem as chances de transmitir ou contrair o coronavírus quanto sugerem que elas podem diminuir a gravidade da infecção caso as pessoas contraiam a COVID-19. Ainda que estudos clínicos estejam sendo conduzidos para validar a eficiência das máscaras (principalmente cirúrgicas e a N95) contra a COVID-19, perguntas sobre máscaras vão além da biologia, epidemiologia e física. O comportamento humano é o cerne do quão bem as máscaras funcionam no mundo real. Embora ainda se precise aumentar e garantir a adesão, felizmente, algumas evidências sugerem que usar uma máscara facial pode levar o usuário e aqueles ao seu redor a aderir melhor a outras medidas, como o distanciamento social. As máscaras também nos lembram da responsabilidade compartilhada, da ação de responsabilidade social e nosso papel como cidadãos. Mas isso requer que as pessoas as usem. Por fim, como diz a Dra. Monica Gandhi (infectologista da Universidade da Califórnia): “máscaras funcionam, mas não são infalíveis; portanto, mantenha a sua distância”.

Melissa Medeiros Markoski

Bióloga, mestre e doutora em Biologia Celular e Molecular pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com estágios pós-doutorais em Imunologia na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA); docente da UFCSPA na área de Biossegurança e pesquisadora na área de Imunoterapia e Processos Regenerativos por células-tronco (link para o Lattes: http://lattes.cnpq.br/1872859400316329).

Referências

[1] MacIntyre CR, Chughtai AA, Rahman B, Peng Y, Zhang Y, Seale H, Wang X, Wang Q. The efficacy of medical masks and respirators against respiratory infection in healthcare workers. Influenza Other Respir Viruses. 2017, 11(6):511-517. doi: 10.1111/irv.12474. 

[2] Sharma SK, Mishra M, Mudgal SK. Efficacy of cloth face mask in prevention of novel coronavirus infection transmission: A systematic review and meta-analysis. J Educ Health Promot. 2020, 28;9:192. doi: 10.4103/jehp.jehp_533_20. 

[3] Milton DK, Fabian MP, Cowling BJ, Grantham ML, McDevitt JJ. Influenza virus aerosols in human exhaled breath: particle size, culturability, and effect of surgical masks. PLoS Pathog. 2013, 9(3):e1003205. doi: 10.1371/journal.ppat.1003205. 

[4] Prather KA, Wang CC, Schooley RT. Reducing transmission of SARS-CoV-2. Science. 2020, 26;368(6498):1422-1424. doi: 10.1126/science.abc6197. 

[5] Peeples L. Face masks: what the data say. Nature. 2020 Oct;586(7828):186-189. doi: 10.1038/d41586-020-02801-8. PMID: 33024333.

[6] Asadi, S., Cappa, C.D., Barreda, S. et al. Efficacy of masks and face coverings in controlling outward aerosol particle emission from expiratory activities. Sci Rep 10, 15665 (2020). doi: 10.1038/s41598-020-72798-7

[7] Konda A, Prakash A, Moss GA, Schmoldt M, Grant GD, Guha S. Aerosol Filtration Efficiency of Common Fabrics Used in Respiratory Cloth Masks. ACS Nano. 2020, 26;14(5):6339-6347. doi: 10.1021/acsnano.0c03252. 

[8] Leffler CT, Ing EB, Lykins JD, Hogan MC, McKeown CA, Grzybowski A. Association of country-wide coronavirus mortality with demographics, testing, lockdowns, and public wearing of masks. MedRXiv, August 4, 2020. doi: 10.1101/2020.05.22.20109231

Figuras montadas a partir do banco Freepik (https://br.freepik.com/).

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